Bento Azevedo

Na esteira do adensamento habitacional, microapartamentos e estúdios se tornaram uma tipologia comum em grandes metrópoles. Só na cidade de São Paulo, o número saltou de 461 unidades em 2016, para 16.261 em 2022. De acordo com um levantamento da Secovi-SP, o crescimento no período foi de 3.427%. Especialistas apontam fatores econômicos e comportamentais como responsáveis pelo movimento.

“É uma resposta urbana a um problema urbano”, afirma Suzana Pasternak, professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). “As pessoas querem diminuir o longo tempo gasto com transporte e morar mais perto do trabalho, do lazer e de equipamentos públicos da cidade. Estes espaços pequenos são o que elas conseguem pagar. E as construtoras descobriram este nicho”, argumenta.

Uma pesquisa do QuintoAndar mostra que três em cada quatro pessoas que vivem nestes espaços têm de 20 a 39 anos e 80% deles moram sozinhos. Entre as motivações para viver nestes espaços, eles apontam a independência (47,4%), a proximidade do trabalho (44,6%), o mobiliário (36%) e a oferta de transporte público (32,6%). “É uma expectativa quase temporária de moradia”, acredita Pasternak.

Ela entende que dificilmente o morador desses imóveis realmente optaria por viver assim se tivesse outra escolha. “Estes microapartamentos são nossas antigas quitinetes”, pontua. A observação de Pasternak é corroborada por um levantamento da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), que aponta que o tamanho dos imóveis pequenos caiu 40% em uma década.

Segundo o estudo, os apartamentos de um dormitório na cidade de São Paulo tinham uma metragem média de 46,1 m² em 2011. Em 2021, o número caiu para 27,5 m². “Essa tipologia talvez faria sentido se a população realmente desfrutasse dos espaços públicos urbanos, como bibliotecas para trabalhar, jardins para passear ou praças para visitar. Mas quem pode pagar já fugiu para imóveis maiores”, aponta.

Mudanças culturais

O encarecimento do preço dos imóveis e a taxa de juros nas alturas fundamentam a produção desses imóveis, mas na visão da socióloga Stella Schrijnemaekers, Coordenadora do curso de relações internacionais do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), também existem questões culturais determinantes por trás destes números.

“A trajetória das pessoas não segue mais o percurso tradicional que antes se imaginava inevitável. A jornada atual de vida não se resume a nascer, crescer, casar, ter filhos, constituir uma família e comprar um apartamento com um cônjuge”, observa a professora. “Esses microapartamentos são ocupados por outros arranjos familiares, como divorciados, viúvos ou indivíduos que estão satisfeitos com a ideia de morar sozinho”.

O último censo divulgado pelo IBGE mostra que uma parcela maior de brasileiros está vivendo sozinha. Do total de 74,1 milhões de domicílios, 15,9% (11,8 milhões) tinham apenas um morador em 2022. É a maior proporção deste tipo de núcleo familiar desde o início da série histórica, em 2012 – quando os lares com apenas uma pessoa representavam 12,2%.

Stella alega que a mudança cultural da população impulsionou a busca por apartamentos que comportam apenas um morador. “Os valores das pessoas estão mudando e as trajetórias não são mais lineares. Existe uma busca maior por praticidade. Ao invés de buscar ter um quintal ou um segundo quarto, elas estão na fase da vida em que é mais importante não ter estresse com o trânsito”, comenta.

“Quem busca esses imóveis, normalmente localizados em regiões centrais da cidade, está atrás de um certo estilo de vida e tudo o que aquela vivência proporciona”, enxerga Stella. “São pessoas dispostas a partilhar a máquina de lavar roupa do prédio e não possuir um carro na garagem, mas interessadas numa vida adulta independente e com facilidades ligadas à região”.

Fonte: Estadão