Bento Azevedo

A lei prevê que o locatário arque com as despesas ordinárias de condomínio, desde que isso esteja contratado. A essa liberdade legal se soma outra: não existe fixação do “modo” de cumprir essa obrigação: tanto pode o condômino locador pagar ao condomínio e cobrar do locatário (fórmula que permite maior controle da operação), como podem combinar de este pagar diretamente ao condomínio.

A multa em caso de inadimplemento do aluguel é livremente fixada, já a multa pelo atraso no pagamento do rateio de condomínio é limitada pelo Código Civil em irrisórios 2%. Aí o problema: se for combinado que o locatário pagará diretamente ao condomínio e isso não acontecer, o locador poderá ser acionado, sofrendo os respectivos aborrecimentos. A diminuta multa não estimula o pagamento a tempo e todos estão (estamos) sujeitos a problemas financeiros (inclusive aquele inquilino cujo cadastro se aprovou), obviamente preferindo liquidar contas com multas maiores ou consequências piores do que essa levíssima repreensão.

É nesse cenário, de evidente interesse dos locadores (e dos condôminos adimplentes, certamente), que se noticia que o Código Civil está sendo revisado e atualizado e, dentre as sugestões feitas pela Subcomissão que trabalha o “direito das coisas” está a alteração do atual artigo 1336, parágrafo primeiro, para impor ao condômino inadimplente “multa de até dez por cento sobre o débito”, em substituição ao limite atual, de dois por cento.

De antemão, registro: penso que melhor seria dar liberdade aos condomínios para que fixassem as multas que eles entendessem adequadas: a situação em um condomínio com 500 apartamentos pagando um rateio de R$ 400,00 mensais é gritantemente diferente da que ocorre num prédio com 15 apartamentos contribuindo com R$ 20.000,00 mensais, sob uma diversidade de aspectos somente solucionável através da livre combinação entre os interessados diretos (na sua própria convenção). Mas esse pensamento ficará para outra oportunidade…

Lembre-se, despesa de condomínio ou contribuição condominial é tão somente a parcela decorrente do rateio do conjunto de despesas entre os condôminos, nada mais. É óbvio que para ser enfrentada uma despesa, caso um dos responsáveis não contribua, os outros pagarão mais. Afinal, o dinheiro arrecadado tem destinação certa, combinada, obrigatória e impostergável. Todos sabemos como funciona, nada diferente do que rachar a conta da pizza (depois de saboreada) com os amigos.

Pois bem, a multa tem insubstituível finalidade coercitiva, pois deixa bastante clara a consequência do eventual descumprimento da obrigação. É, em nossos dias, o único meio de cobrança com força de intimidação, distantes que estamos do primeiro período romano, quando era possível escravizar ou até esquartejar o devedor. Antes: multa é a pena pecuniária, prevista exclusivamente para impelir os obrigados a pagarem no prazo combinado. Não é fonte de renda dos credores, não é incremento da parcela: existe unicamente para assegurar o exato cumprimento da obrigação, obviando-se que o reduzidíssimo percentual atual sequer pode ser considerado pena, tem pouca serventia.

Prova da pouca serventia dessa pena ínfima: a quantidade de ações de cobrança cresceu, e segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foram ajuizadas, somente na cidade de São Paulo, em dezembro de 2023, nada menos que 1.273 ações por falta de pagamento nos condomínios, aumento de 62% em relação às 786 ações distribuídas no mesmo mês do ano anterior. Entre 2008 e 2023, a média de ações distribuídas foi significativa: 10.398 processos novos por ano, somente na capital de São Paulo. Uma multa sensibilizadora provavelmente diminuiria esse volume.

Se mais de 10.000 ações parecem pouco, lembremos: normalmente em cada uma delas são cobradas muitas parcelas (às vezes, são anos sem pagamento), tudo arcado pelos demais condôminos (ou pelo locador que finda acionado). Bem por isso a sugestão feita pela Subcomissão, de elevação do porcentual punitivo.

Adequação deve passar no legislativo e no executivo?

Talvez a história nos dê a resposta – ou ao menos o alerta para seriamente nos preocuparmos com o desenrolar do tema. No passado, o Congresso Nacional (a indicar o consenso da sociedade) aprovou a aplicação de multa sobre o débito, progressiva e diária à razão de 0,33% por dia de atraso, até o limite estipulado pela Convenção do Condomínio, não podendo ser superior a 10%.

O sistema proposto era interessante e eficaz, pois a pena aumentava conforme remanescesse o inadimplemento, preocupando-se o Devedor para liquidar o débito o quanto antes, dia a dia. Mas, veio a Lei 10.931 de 02/08/04, e os condôminos foram apenados pelo veto presidencial, sendo os maus pagadores contemplados com a multa risível, mantidos os 2%.

Para aquilatarmos a chance de sucesso dessa proposta de alteração, convém identificar as justificativas que o Presidente da República de então, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou para vetar a adequação da multa. Primeira razão do veto: entendeu-se que a multa em condomínio deveria ser igual àquelas praticadas em outras relações “pois as obrigações condominiais devem seguir o padrão das obrigações de direito privado” (SIC, conforme o texto da justificativa).

Óbvio que foram misturadas indevidamente a relação condominial (entre donos) com a relação de consumo, intrinsecamente diferentes. Essa mistura não encontra base doutrinária, registra-se, não parecendo merecer maiores análises.

Segunda razão do veto: “Não há razão para apenar com multa elevada, condômino que atrasou o pagamento durante poucas semanas devido à dificuldade financeira momentânea”, foi dito. Existiria razão, então, para fazer os adimplentes arcarem com os ônus decorrentes do inadimplemento de terceiro? Não é demais frisar que integrar um condomínio não implica, de maneira alguma, em fazer parte de irmandade ou de instituição beneficente. Doações, cada um de nós faz a quem quiser, nem sempre ao vizinho, muito menos compulsoriamente… E “poucas semanas”, para quem deve, são muitas; para quem paga o que não deveria suportar.

Esta motivação do veto, na verdade, prestigia o devedor, ao desculpá-lo. Imagina uma situação de atraso “durante poucas semanas”, ignorando o exaustivo trâmite das gestões extrajudiciais e das ações judiciais de cobrança, pune toda a massa condominial, responsável última pela complementação dos fundos necessários ao cumprimento das obrigações do Condomínio. Esquece daquele condômino que controla arduamente seus gastos, honrando cada dever seu (mesmo diante de ‘dificuldade financeira momentânea”), punindo-o com o acréscimo que decorre do inadimplemento de seu vizinho.

Terceira razão do veto: “o condomínio já tem, na redação em vigor, a opção de aumentar o valor dos juros moratórios como mecanismo de combate a eventual inadimplência causada por má-fé. E neste ponto reside outro problema da alteração: aumenta-se o teto da multa ao mesmo tempo em que se mantém a possibilidade de o condomínio inflar livremente o valor dos juros de mora, abrindo-se as portas para excessos” (SIC).

Porém, juros (custo do dinheiro) não se misturam com multa (pena pela infração). A “justificativa” enxergou o que não existe, pois não é possível ao condomínio “inflar livremente o valor dos juros” (SIC), dado que o próprio artigo 1336 parágrafo 1º do Código Civil prevê a aplicação dos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês. Essa previsão foi claramente repetida no Projeto vetado, a espancar a razão exibida. E, não esqueçamos, qualquer tentativa de “inflar” seria facilmente obstada judicialmente, não é demais dizer.

Quarta razão do veto: “Por fim, o dispositivo adota fórmula de cálculo da multa excessivamente complexa para condomínios que tenham contabilidade e métodos de cobrança mais precários, o que poderá acarretar tumulto na aplicação rotineira da norma, eliminando pretensas vantagens.”(SIC).

Sinceramente, mesmo em tempos em que muitos desprezam os estudos, não é possível vislumbrar dificuldade no texto que havia sido aprovado pelo Congresso Nacional. Confira-se: “§ 1º. O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados, ou, não sendo previstos, o de um por cento ao mês e multa sobre o débito aplicada progressiva e diariamente à taxa de 0,33% (trinta e três centésimos por cento) por dia de atraso, até o limite estipulado pela Convenção do Condomínio, não podendo ser superior a dez por cento”. Enfim, não havia razão para desacreditar a inteligência de nossos concidadãos. Nós teríamos, sim, plenas condições de entender e aplicar a regra.

Um sopro de esperança: desde que sofremos esse veto presidencial há 20 anos, permaneceu sólida a certeza de que a multa ínfima a nada levava; cada vez mais gente passou a ter apartamento e a entender na pele o que acontece quando um condômino não contribui; os orçamentos familiares se apertaram e cada vez menos brasileiros podem suportar gastos indevidos (como esses para cobertura de buracos nas contas condominiais provocados por quem paga mal).

Espera-se que o tempo tenha ensinado e que, desta vez, a adequação da multa por inadimplemento no condomínio não seja vetada, passando a ter efetividade. Precisamos dessa lei, afinal “o direito é um poder passivo ou pacificado pelo Estado e é sinônimo de poder, pois sem esta participação e legitimação democrática, só resta a violência, a descrença e a barbárie”, ensinou Hannah Arendt (1906-1975).

Fica a sugestão: se o erro na multa não for corrigido quando alterado e atualizado o código, que mereça, então, uma lei específica, adequando e pacificando este tema ao qual todos somos tão sensíveis.

Fonte: Imobi Report