Bento Azevedo

O Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (8) o texto da medida provisória que cria o programa Casa Verde e Amarela (MP 996/2020), substituto do Minha Casa, Minha Vida. Além do financiamento habitacional, o novo programa inclui regularização fundiária e crédito para reformas. Como foi aprovado com alterações, na forma de um projeto de lei de conversão (PLV 41/2020), o texto ainda depende da sanção presidencial.

Serão alcançadas pelo programa as famílias com renda mensal de até R$ 7 mil, em áreas urbanas, e renda anual de até R$ 84 mil, em áreas rurais. O texto foi aprovado pelos senadores como veio da Câmara dos Deputados, onde o relator foi o deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL). O relator no Senado, senador Marcio Bittar (MDB-AC), não incorporou mais emendas para evitar o retorno da medida à Câmara, o que criaria o risco de ela perder a validade — a MP 996 vence no início de fevereiro e o Congresso Nacional deverá entrar em recesso na próxima semana.

Financiamento

O Casa Verde e Amarela separa o público-alvo em três faixas de renda familiar: até R$ 2 mil mensais, de R$ 2 mil a R$ 4 mil, e de R$ 4 mil a R$ 7 mil. Somente aqueles com renda até R$ 4 mil em área urbana ou com renda anual de até R$ 48 mil em área rural poderão contar com subvenção da União para adequar as parcelas ao orçamento familiar. Os valores recebidos temporariamente — como o auxílio emergencial — não entrarão no cálculo da renda da família.

As taxas de juros serão diferentes para as regiões do país: no Norte e no Nordeste elas ficarão entre 4,25% e 4,5% ao ano, a depender da faixa de renda familiar, enquanto no restante do país serão de 5%. Esses números já haviam sido estabelecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Regional em uma instrução normativa do mês de outubro.

Um regulamento do Poder Executivo ainda vai definir os critérios de seleção dos beneficiários, as regras de preferência aplicáveis a famílias em situação de risco ou vulnerabilidade, que tenham a mulher como responsável pela unidade familiar ou de que façam parte pessoas com deficiência ou idosos. O regulamento também vai incluir critérios para selecionar entidades privadas sem fins lucrativos, micro e pequenas empresas locais e microempreendedores individuais (MEI) de construção para atuarem no programa.

Debate

Quatro senadores insistiram em defender suas emendas durante a votação do projeto, o que levou o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a se comprometer a levar os temas para a regulamentação do programa.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) pediu para que tenham prioridade no atendimento as famílias lideradas por mulheres; as que tenham crianças na primeira infância, idosos ou pessoas com deficiência; e as que pertençam a populações tradicionais. Para ela, esses grupos já são alvo prioritário de outros programas sociais.

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) sugeriu que o programa permita a doação ou alienação de imóveis em benefício de cooperativas e associações habitacionais. Essas entidades, segundo ele, são elementos fundamentais da vida social em várias comunidades do Brasil.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) quer uma regra para que os financiamentos não ocupem mais do que 10% da renda mensal das famílias urbanas e 4% da renda mensal das famílias rurais — isso poderia ser compensado com prazos mais longos. A falta desse limite poderia levar a inadimplência e comprometer o sucesso do programa, argumentou ele.

Já o senador Carlos Portinho (PSD-RJ) recomendou que os beneficiários do Casa Verde e Amarela tenham seus imóveis incluídos automaticamente nas tarifas sociais de luz e água. Segundo ele, a burocracia para entrada e renovação desses benefícios é um dos maiores problemas enfrentado por moradores de programas habitacionais.

Reaproveitamento

Os contratos referentes ao Minha Casa, Minha Vida, criado em 2009, continuarão regidos pelas suas regras originais, mesmo que assinados depois da edição da MP 996, em 26 de agosto. O Casa Verde e Amarela permite a transferência de imóveis construídos pelo Minha Casa, Minha Vida e retomados por falta de pagamento. Essas unidades habitacionais serão destinadas à compra por outro beneficiário a ser indicado “conforme as políticas habitacionais e normas vigentes”.

Outra hipótese é a doação aos estados e municípios, se eles pagarem a dívida para que a família devedora permaneça no imóvel ou para serem destinados a outros programas de interesse social. Já as moradias sem condições de serem habitadas poderão ser vendidas conforme definir o regulamento. A prioridade será para uso em programas habitacionais e para pessoas que cumpram os requisitos do programa habitacional.

As unidades habitacionais produzidas no âmbito do programa poderão ser vendidas aos beneficiários, com financiamento subsidiado ou não, ou mesmo cedidas, doadas ou alugadas, conforme regulamento. Essa subvenção poderá ser acumulada com os descontos concedidos nas operações com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e com outras concedidas por programas habitacionais estaduais, distrital ou municipais.

Na regularização fundiária, as subvenções com dinheiro do Orçamento federal poderão beneficiar somente famílias de baixa renda em núcleos informais urbanos assim declarados pela prefeitura da localidade.

Contrapartidas

Quando a União destinar um terreno a entes privados no âmbito do programa, as contrapartidas serão definidas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e poderão ser, por exemplo, infraestrutura urbana para atender a área do imóvel e suas imediações, prestação de serviços relacionados aos imóveis que deverão ser construídos no local ou transferência direta das unidades aos beneficiários.

Após cumprir as contrapartidas, o empreendedor terá liberdade para explorar economicamente a parte do imóvel não vinculada a elas. Assim, um terreno grande poderá ser dividido para que uma parte seja destinada à construção de moradias para o programa e outra parte fique com a empresa, que poderá vender outras unidades produzidas.

O valor das contrapartidas deverá ser igual, no mínimo, ao valor do terreno avaliado antes de o município alterar o ordenamento jurídico para viabilizar seu uso para essa finalidade. Esse seria o caso de mudança de destinação de um setor da cidade de industrial para residencial, por exemplo.

Durante o tempo estipulado para se realizar as contrapartidas, o empreendedor deverá prestar garantia de até 30% do valor do terreno. A verificação do cumprimento das obras poderá ser feita inclusive por órgãos estaduais ou municipais por delegação.

Nova chance para empresas

O projeto de conversão concede uma segunda chance para as empresas que não entregaram moradias contratadas no programa Minha Casa, Minha Vida terminarem o empreendimento sem cobrança da dívida gerada por estourarem os prazos de entrega.

Essas empresas terão mais um máximo de 30 meses para concluir as obras sem aumento de custos para a União, podendo contar com ajuda financeira do estado ou do município em conjunto com algum agente financeiro, como banco ou financiadora imobiliária.

Entretanto, ao manifestar o interesse pela conclusão das obras, o texto permite a declaração de quais unidades habitacionais têm “viabilidade de execução para conclusão e entrega”, abrindo a possibilidade de se entregar menos imóveis que o financiamento original previa.

Parcelas pendentes de liberação retidas por descumprimento do contrato original dependerão da conclusão das obras, sem adiantamentos.

Saneamento e urbanização

O Casa Verde e Amarela usará recursos orçamentários da União, do FGTS e de outros três fundos criados para financiar programas habitacionais de governos passados: de arrendamento residencial (FAR), de desenvolvimento social (FDS) e de habitação de interesse social (FNHIS).

Respeitados os regulamentos de cada fundo, o Casa Verde e Amarela poderá financiar ainda estudos e projetos urbanísticos, habitacionais e paisagísticos; obras de saneamento e infraestrutura, se associadas às habitações construídas pelo programa; assistência técnica para melhoria de moradias; compra de bens para apoiar agentes públicos e privados envolvidos na implementação do programa; produção de unidades de uso comercial, se associadas às habitacionais; e seguro.

Os projetos e as obras deverão dar preferência ao uso de materiais de construção oriundos de reciclagem, como tijolos feitos com rejeitos de mineração, e prever condições de acessibilidade para pessoas com deficiência ou idosos.

Estados e municípios

Em obras produzidas com recursos do FAR ou do FDS, governos estaduais e municipais que aderirem ao programa deverão arcar com os custos de infraestrutura básica como pavimentação de ruas, escoamento das águas pluviais e redes de água, esgoto e energia.

Estados, municípios e Distrito Federal poderão também entrar com o terreno e obras para complementar o empreendimento ou mesmo assumir o valor da operação. Serão aceitos incentivos e benefícios de natureza financeira, tributária ou creditícia, como redução de tributos para diminuir o custo final.

Outra condição para a participação dos entes da federação no programa é a aprovação e publicação de lei de isenção do tributo de transferência do imóvel (ITBI) nesses casos. O tributo é normalmente pago pelo comprador.

Para as contratações realizadas até 31 de dezembro de 2021, a lei deve produzir efeitos antes da entrega das unidades habitacionais às famílias beneficiadas.

Proibições

De acordo com a MP, não poderão receber ajuda para a compra do imóvel no âmbito do programa quem já tenha contrato de financiamento com recursos do FGTS ou em condições equivalentes do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), quem já tenha imóvel regular com infraestrutura urbana e padrão mínimo de edificação, ou quem tenha recebido benefícios similares nos últimos dez anos com recursos dos fundos participantes.

Essa proibição não se aplica, entretanto, ao atendimento de famílias com obras e serviços de melhoria habitacional, nem de famílias envolvidas em situações de reassentamento, remanejamento ou substituição de moradias (encostas, por exemplo), ou desabrigadas que tenham perdido seu único imóvel em razão de situação de emergência ou estado de calamidade pública reconhecidos pela União.

Podem participar ainda as pessoas que tenham propriedade de imóvel residencial em fração de até 40%, ainda que seja por herança ou doação.

Mulher

Pelo texto aprovado, em família com casais de sexos diferentes, tanto o contrato quanto o registro do imóvel serão feitos, preferencialmente, em nome da mulher. Se ela for chefe de família, não precisará da concordância do marido ou companheiro. Prejuízos sofridos em razão da regra deverão ser resolvidos em causas de perdas e danos.

No caso de divórcio, a propriedade do imóvel comprado ou regularizado pelo programa durante o casamento ou união estável ficará com a mulher, independentemente do regime de bens (comunhão parcial ou total ou separação total de bens).

A exceção é para operações financiadas com recursos do FGTS e quando a guarda dos filhos for exclusiva do homem. Nesta última situação, o imóvel será registrado em seu nome ou transferido a ele.

Retomada

Tanto no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida quanto no Casa Verde e Amarela, a MP inclui dispositivo para permitir o emprego de “atos de defesa”, inclusive com ajuda da polícia, para garantir a posse de imóveis ainda não vendidos aos beneficiários finais, mas ocupados por outros moradores. O uso da polícia pode ser previsto em instrumentos firmados entre a União e estados ou municípios.

O projeto de conversão estende para o novo programa o regime especial de tributação instituído pela Lei 12.024, de 2009, que permite à empresa construtora quitar quatro tributos federais com uma alíquota única de 4% da receita mensal. São contemplados o Imposto de Renda, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Cofins e o PIS.

Cartório

As famílias de baixa renda beneficiadas com as unidades construídas contarão com isenção no pagamento de taxas de escritura e registro dos imóveis, como previsto na Lei 11.977, de 2009, que criou o Minha Casa, Minha Vida.

O projeto do Casa Verde Amarela prevê que os fundos estaduais usados para compensar os cartórios pelo serviço gratuito poderão receber recursos de fundos federais de habitação sem necessidade de acordo, contrato ou qualquer outro instrumento.

Para isso, conselhos estaduais de habitação terão a responsabilidade de fiscalizar a aplicação desses recursos; os estados devem contribuir com o fundo e encaminhar prestação de contas ao controle interno do Poder Executivo federal e ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Já o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), criado pela Lei 13.465, de 2017, será financiado por um fundo criado pelo texto aprovado da MP. Esse sistema de registro pretende conectar todos os cartórios de imóveis do país, facilitando o acesso a consultas e serviços on-line.

O fundo contará com recursos de todos os cartórios de imóveis por meio de contribuições a serem definidas pelo operador nacional do SREI.

Consulta pública

Para elaborar o Plano Nacional de Habitação de Interesse Social, o Ministério do Desenvolvimento Regional foi dispensado pela MP de ouvir o Conselho das Cidades, bastando consulta pública. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do ano passado impediu a extinção do conselho por decreto de Jair Bolsonaro.

Loteamentos

O projeto de conversão incluiu na Lei dos Loteamentos Urbanos (Lei 6.766, de 1979), novos agentes que podem ser considerados empreendedores responsáveis por parcelamentos do solo, como o próprio proprietário do imóvel a ser parcelado, a administração pública que fizer desapropriação, cooperativa ou associação de moradores ou empresa contratada para executar o parcelamento.

O texto aprovado também altera a lei para permitir a prorrogação, por igual período, do prazo de quatro anos que o loteador tem para realizar obras básicas na área do loteamento, como as ruas, a demarcação dos lotes, quadras e obras de escoamento das águas pluviais.

 

Fonte: Agência Senado